Olhando os astros com pés no chão
Jornal O Taquaryense. Ano 138. Nº 6.402. Dia 21 de junho de 2025.
O texto abaixo foi publicado no jornal impresso O Taquaryense, na data de 21 de junho de 2025, em formato de artigo. O jornal O Taquaryense é o segundo mais antigo do estado do Rio Grande do Sul em circulação e é, até os dias atuais, produzido de forma artesanal - o único em toda América Latina, diga-se de passagem.
Há alguns dias, venho refletindo sobre astrologia, e uma notícia me chamou a atenção. No último mês, descobri que havia sido marcada, no curso de enfermagem da USP, uma aula aberta sobre astrologia. Foi cancelada. Eu não tenho intenções de me aprofundar em questões políticas ou aspectos científicos relacionados aos signos do zodíaco. Quis mencionar o (não) acontecido porque o que me interessa aqui, de fato, é a interferência dessa pseudociência em campos que não dizem respeito a ela; essa dependência que as últimas gerações desenvolveram para com essa mística; a imagem de ferramenta solucionadora que colocamos nas constelações e seus alinhamentos.
No ensino médio, um tempo considerável atrás, eu recebi o título de “a louca dos signos”. Sempre discordei dessa afirmação. Sim, admito que cresci lendo o horóscopo. Assinava jornais e revistas adolescentes e não ficava uma única edição sem consultar as previsões para mim. Inclusive, adorava aqueles jogos on-line em que víamos a porcentagem de correspondência entre os signos. E a verdade é que sou, sim, adepta do tarô, mas não sei nada (ao menos, no momento) sobre astrologia. Gostar de elementos esotéricos não obrigatoriamente nos torna especialistas em todas as misticidades do mundo. Para mim, mapas astrais são uma incógnita: não sei interpretar, relacionar ou sequer ver (porque isso também é algo que se aprende).
Contudo, mesmo não tendo essa proximidade forte e mantendo meu ceticismo, me sinto desconfortável em renegar a astrologia por completo. Talvez pela antiguidade (já que se trata de uma prática de antes de Cristo, surgida junto às primeiras civilizações); talvez pelo meu histórico pessoal; talvez, e acho que por este motivo mais ainda, porque não quero desrespeitar Caio Fernando Abreu, que, por diversas vezes, incorporou, com maestria singular, elementos astrológicos em suas obras.
Foi, justamente, refletindo sobre os apelos da astrologia por vieses sociais e autopercepção que entendi por que Abreu tão bem trazia essa crença. Horóscopos e mapas astrais são instrumentos muito fortes na construção do “eu”. É no pós-modernismo que o boom da astrologia se faz (e no pós-pandêmico que ele ressurge); é no isolamento do “eu” e na destruição/construção do mundo que se conhece que se busca aconchego e conforto naquilo que é mais seguro: nós mesmos. Nem que seja uma invenção de nós. O próprio rapaz de camisa vermelha, em O dia em que Urano entrou em Escorpião (Abreu, 1982), assume características da previsão astrológica do dia: nervoso e impulsivo, como Urano; disposto a decretar fins e buscar transformações, como Escorpião; inserido em um ambiente coletivo, como a Casa 11, que rege Urano.
A astrologia pode ser uma jornada singela ao interior. Não em direção a algo pré-definido e imutável, como geralmente se entende; mas, sim, talvez, com destino a compreender nossos ritmos particulares; uma bússola a ser utilizada com cautela. Devemos sonhar, mas sem tirar os pés do chão; olhar os astros mantendo-nos ancorados em terra firme. A astrologia pode ser bonita, quando usada de forma curiosa. Afinal, sem ela, Blanc e Bosco jamais teriam criado Bijuterias.
obs.: preparei uma playlist com algumas músicas que curto ouvir e que fazem referência a astrologia e afins. ouçam à vontade :)